A escrita é uma atividade solitária, mas se você acha que os escritores estão sós, está enganado
No entanto, é importante notar que nem todos os escritores experimentam esse isolamento de maneira negativa. Muitos encontram prazer e o vêem como uma oportunidade para explorar seus pensamentos, emoções e se profundar no seu projeto de escrita.
Além disso, hoje em dia, os escritores lançam mão de interações sociais para divulgar seu livro, fazem amizade com seus pares, participam de eventos e acompanham o que acontece no meio literário.
O autor galáctico André Tim conta um pouco sobre essa sensação no texto a seguir.
A corrida e a literatura têm muito mais semelhanças do que as pessoas que só correm, ou que só escrevem, ou não fazem nenhuma das duas coisas, costumam supor.
E não sou o primeiro a falar disso. Muitos já as relacionaram. Talvez Murakami seja o mais conhecido a tratar do tema. Mas, veja, a corrida, como a literatura, é uma atividade solitária, mesmo quando você corre em grupo. É uma atividade instrospectiva, meditativa. Mas há momentos de comunhão na corrida, assim como na literatura.
Por algum tempo, corri junto a uma assessoria esportiva. Nos finais de semana, eram comuns os chamados longões, quando se corre distâncias maiores e, no meu caso, dada a geografia da cidade onde vivo, muitas vezes em estradas do interior, localidades rurais ou de áreas de mata, em que é mais seguro correr junto a outras pessoas.
Nessas ocasiões, um dos melhores momentos, que não eram tão frequentes assim, era quando sincronizávamos a passada com alguém. Sincronizar a passada, caso você desconheça o termo, é quando dois ou mais corredores sincronizam os mesmos movimentos de pernas, correndo lado a lado, no mesmo pace (minutos por quilômetro).
Na maior parte das vezes, nem era preciso dizer nada, não era necessário nenhum diálogo, inclusive porque em muitas ocasiões cada um corria usando fones de ouvido, ouvindo música. Muitas vezes você nem mesmo conhecia a pessoa. E mesmo sem a necessidade de uma palavra dita, ou das formalidades de se apresentar, se estabelecia um enorme sentimento de cumplicidade, companheirismo.
Não sei se essas ocasiões levam a uma liberação maior de ocitocina no organismo, mas era uma ótima sensação, e um tanto difícil de explicar se você não passou por ela. Às vezes, corria-se por quilômetros, lado a lado, passadas sincronizadas, até o momento em que algum dos pares, por necessidade ou vontade, acelerava ou desacelerava o ritmo, desmanchando a dupla (ou trio, quarteto etc.). Da corrida, esse é um dos sentimentos que mais sinto falta, porque segui correndo após deixar as assessorias, mas sempre sozinho.
Na literatura, há um sentimento parecido, embora mais difuso.
Se você imaginar uma carreira literária como uma maratona, embora a escrita de um livro seja um processo introspectivo e solitário, há momentos que você sincroniza a passada com outros(as) autores(as)-maratonistas que você vai encontrando pelo caminho.
Por exemplo, quando ambos estão escrevendo um romance mais ou menos ao mesmo tempo. Quando um dos pares é agraciado com uma premiação. Quando se trocam originais para colher opiniões. Quando calha de irem para a mesma editora. Ou fechar com a mesma agente literária. E, claro, há a força motriz mais poderosa quando o assunto é estabelecer cumplicidade, a fofoca, que ganha ares cartunescos no meio editorial.
No fim, por mais solitárias que certas atividades possam ser, e mesmo nesses tempos de hiperconexões, onde o próximo está a um clique mas também nunca esteve tão distante, com nossas relações líquidas e efêmeras, talvez, tudo que a gente busca, no final, é não se sentir sozinho, algo que a literatura e a corrida, mesmo com sua solitude por natureza, podem proporcionar em certos momentos. E talvez seja justamente o contraste entre solidão e comunhão que possibilite isso, porque você só pode saber o que é essa cumplicidade se já tiver se sentido solitário.
André Timm
Escreve no Instagram e em seu site de autor.