“O escritor Rafael Sperling é sem noção, digo desde logo. Para você ter ideia, este Um homem burro morreu é seu segundo livro de contos. Isso mesmo, um livro de contos contemporâneo e brasileiro – onde já se viu? Todo mundo sabe que conto não vende, que quase ninguém lê conto nesse país e que são poucos os prêmios para contistas… Ainda assim, Sperling dá uma de criança travessa e vem com este livro. É mole? Não espere o realismo social, a autoficção e a exploração dos universos íntimos que predominam nas publicações atuais: além de sem noção, Sperling é abusado. Investe no experimentalismo e dialoga com as vanguardas dos anos 20 e 30. Em 27 narrativas breves, mistura sarcasmo com elementos grotescos e nonsense, embalados por uma linguagem coloquial que remete ao cinema, ao roteiro de TV, à publicidade, à dramaturgia, à musica e à poesia. Esse hibridismo de formas, por sinal, é marca de Sperling: o incauto leitor é conduzido por seu reino literário subterrâneo, onde há espaço de sobra para a ultra-violência, a sexualidade agressiva, o absurdo cotidiano e a aniquilação. Seja através de Caetano Veloso se preparando para atravessar uma rua do Leblon ou de histórias nada sutis contadas por uma babá, Rafael Sperling parte do normal, do ordinário para chegar ao seu bizarro universo simbólico, onde as ações despropositadas e aparentemente vazias de seus personagens ganham contornos de crítica social. A violência quase sempre está presente, provocando o leitor mais recatado. Rafael Sperling é um autor sem noção, abusado e provocativo. Por isso tudo, nesses tempos de mesmice, um autor necessário.” (Raphael Montes)
Clichê
R$11,90O sinal para os pedestres se abre. As pessoas que esperam nas calçadas iniciam então a travessia. Em meio àquela multidão, duas delas cruzam os olhares, julgam se conhecer, mas continuam seu percurso levando apenas a dúvida consigo.
Esta foi a situação escolhida pelo autor Samir Mesquita para o desafio de Noemi Jaffe, curadora do Selo JOTA: escolher uma história banal e escrevê-la das mais diversas formas e pontos de vista. Em 40 diferentes versões desta cena tão repetida no cinema e comum em nossas vidas, o autor explora formas como prosa, poesia, diálogo, reportagem, depoimento, entrevista e uma quase epopeia, e apresenta personagens como um aluno em um curso de roteiro, um filho que julga reconhecer o torturador do pai, ou um pai que desconfia ter reconhecido uma filha abandonada, um trabalhador refém de uma rotina, uma mulher em terapia, uma bailarina russa, entre outros tantos. Clichê é assim um livro que busca na repetição uma forma de explorar o novo. E que tenta fugir a cada página da palavra que lhe dá título. A ideia original do Selo JOTA partiu do pioneiro e consagrado Oulipo, grupo de escritores entre os quais se incluíam Italo Calvino, Raymond Queneau e Georges Perec. Todos os livros do JOTA partem de um desafio, de restrições narrativas que, por paradoxal que pareça, atuam de maneira a incrementar o texto ficcional.
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