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Morre uma das maiores referências do movimento pela valorização dos cuidados paliativos no Brasil

Em tratamento contra o câncer há doze anos, a jornalista, escritora e autora galáctica Ana Michelle Soares, ou AnaMi, como gostava de ser chamada, faleceu em 21 de janeiro último.

Ela recebeu um diagnóstico de câncer de mama aos 28 anos de idade. Quatro anos depois, em 2015, os exames detectaram o aparecimento de metástase e, no prontuário médico, a indicação de tratamento paliativo. Aquela palavra lhe soava estranha, como se estivesse morrendo. E, pelo contrário, sentia-se bem.

Na ocasião, disse a uma amiga “Se eu chegar aos 40 anos, vai ser um milagre”. E chegou

Foi se informar e fez todo o sentido buscar cuidados paliativos para si: terapia, suporte espiritual e foi atrás de desatar muitos dos nós que lhe causavam sofrimento. Nesse percurso, notou que a percepção da finitude só lhe despertou o desejo de viver da melhor forma possível o tempo que lhe restava.

A conscientização da importância dos cuidados paliativos como também a imensa vontade de viver, deu novo sentido à vida. Ao compartilhar, com humor e poesia, suas aflições, fraquezas e descobertas, AnaMi agregou e inspirou outros pacientes pelo país a ter esperança.

Lançou os livros Enquanto Eu Respirar (2019) e Vida Inteira (2021), ambos pela Editora Sextante e, pela e-galáxia, Contém esperança (2021) com outros pacientes e familiares em cuidados paliativos. AnaMi se tornou uma das vozes mais ativas do movimento paliativista brasileiro. Seu perfil no Instagram, o Paliativas, tem 201 mil seguidores.

Contém esperança

Coordenou a Casa Paliativa, um espaço de convivência e importantes trocas para os pacientes e familiares que enfrentam uma doença que ameaça a vida. O projeto conta com a supervisão das fundadoras da Casa do Cuidar Dra. Ana Cláudia Quintana Arantes e a psicóloga Cris Ferraz Prade. Segundo a médica, nos primeiros fóruns de cuidados paliativos para pacientes que promoveram, esperavam de duzentas a trezentas pessoas. Qual não foi a surpresa, quando somaram 15 mil inscritos.

Hoje, a Casa Paliativa tem um banco de 130 aulas disponíveis gratuitamente sobre dor, fadiga, ansiedade, insônia, sexualidade, suporte familiar, luto, desistir e outros temas relacionados ao sofrimento. A informação empodera pacientes e familiares, que adquirem confiança para tomar as decisões e o protagonismo no tratamento.

No final de 2022, com a piora significativa de seu estado de saúde, foi internada. Amigos, familiares e seguidores acompanharam os três últimos meses de sua vida no hospital, virtualmente.

Certo dia, AnaMi publicou em seu stories no Instagram: Os caminhos estão ficando cada vez mais estreitos e eu nunca prometi eternidade pra vocês… no momento, o câncer é o de menos no meu corpo. Talvez, eu morra em decorrência de infecções pulmonares. Não fiquem tristes, eu não estou. Passei os últimos anos falando e aprendendo sobre finitude. Ela não me coloca medo, talvez curiosidade. Descobrir o Grande Mistério deve ser interessante. E não esqueça, estarei sempre por aí, dançando com o vento!”.

“Passei os últimos anos falando e aprendendo sobre finitude. Ela não me coloca medo, talvez curiosidade”

A mensagem desencadeou uma série de homenagens em vida e houve uma mobilização para realizar sua bucket list – os últimos desejos de AnaMi, inspirado pelo filme The Bucket List (no Brasil, Antes de partir), com Morgan Freeman e Jack Nicholson. A lista incluiu “fazer algo perigoso”, comer a dobradinha do restaurante Mocotó, até pedidos simples como rever o cachorro e dormir mais uma vez em casa.

AnaMi partiu carregada pelo amor dos que foram tocados pela sua vontade de viver intensamente e como legado, deixa a esperança e um chacoalhão geral para um despertar para a vida. Não é pouca coisa. Já pensou em qual vai ser o seu legado?

imagem Divulgação ©️paliativas/Erin Mori

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